Sinopse
O padre Flynn é um pároco carismático que tenta afrouxar os rígidos costumes da escola St. Nicholas, localizada no Bronx, mas enfrenta a resistência da irmã Aloysius Beauvier. Ela acredita no poder do medo e da disciplina.
Crítica
Ao ser eleita Melhor Atriz do Ano na premiação do Sindicato dos Atores de Hollywood, Meryl Streep afirmou que “não existe isso de ser a ‘melhor atriz viva’’, afinal, ela seria apenas mais uma como tantas outras. Mas, ao ver seu trabalho no novo Dúvida, é quase impossível não discordar – sua atuação é nada menos do que fenomenal! E o excelente impacto que provoca no espectador é ainda mais intenso se levarmos em consideração que sua performance como uma determinada e severa freira aconteceu no mesmo ano do leve e descompromissado Mamma Mia!, no qual ofereceu ao público um registro completamente oposto e diferente de atuação. Ou seja – com o perdão do trocadilho – quando o assunto é Meryl, não há dúvida alguma: ela é, sim, a mais completa atriz em atividade nos dias de hoje!
Baseado na peça escrita por John Patrick Shanley, Dúvida chega aos cinemas sob os cuidados do próprio autor, que além de escrevê-la se encarregou também da direção. O excelente roteiro, aliás, responde por apenas uma das cinco indicações ao Oscar que o filme recebeu: há, ainda, duas na categoria de Atriz Coadjuvante (Amy Adams e Viola Davis, ambas fenomenais, porém em sentidos opostos), como Ator Coadjuvante (o sempre competente Philip Seymour Hoffman) e, claro, Atriz Principal, para Streep. E, mesmo com ótimos diálogos e com um argumento envolvente e de grande potencial, é o elenco acima da média o maior destaque da produção. E este peso dado aos atores não consegue esconder a origem teatral, o que termina por prejudicá-la enquanto produto cinematográfico. Não chega ser uma experiência visual inovadora, mas é um digno testemunho do que são capazes bons atores quando reunidos sob um texto tão brilhante.
Dúvida começa de leve, como a calmaria de um vulcão prestes a entrar em erupção. Aos poucos vamos nos familiarizando com os personagens, conhecendo modos e medos. Estamos numa rígida escola católica, e a mais temida de todas as freiras/professoras é a madre superiora (Meryl). Ela coordena o lugar sem fraquejar, mas não chega a ser um monstro – em poucos detalhes, como num olhar ou num gesto mínimo, percebemos suas fragilidades e inseguranças. A nova batalha que empreende começa quando suspeita que o padre local (Hoffman) pode – ou não – estar molestando sexualmente de um dos alunos. Sem se preocupar com as incertezas, decide que sua cruzada em defesa do rapaz – ou seria a favor das suas crenças? – deverá ser levada até as últimas consequências, não importando os métodos empregados ou quem cruzar pelo caminho! Como observadora passiva está uma irmã novata (Adams), indecisa entre os votos hierárquicos e a dimensão que os acontecimentos – ou, principalmente, a falta deles – vão adquirindo. E, por fim, há ainda a mãe do menino (Davis), que em apenas uma ou duas cenas consegue proporcionar uma visão completamente diferente dos fatos – sejam eles quais forem – mostrando que nem tudo sempre é preto ou branco num mundo cada vez mais cinza.
Num ano de exercícios tão marcantes quanto O Curioso Caso de Benjamin Button e Quem Quer Ser Um Milionário?, os dois favoritos ao Oscar 2009, chega a ser compreensível o fato de Dúvida não ter recebido um reconhecimento mais efetivo nas categorias principais, como Filme e Direção. Mas isto de forma alguma sugere um decréscimo qualitativo ao longa. Com exceção do último diálogo – exageradamente explicativo e desnecessário num contexto global – e, num olhar mais apurado, da falta de ações mais consistentes que corroborem um lado ou outro da questão, este é um dos trabalhos mais interessantes do ano. O que vemos são intérpretes excepcionais, no auge dos seus talentos, defendendo com ardor personagens intensos e profundos. Há consistência em tudo que é exposto, e não há como sair ileso à sua exibição. Todas as questões levantadas irão permanecer junto ao espectador, estendendo o valor artístico da obra e justificando-a como uma das mais relevantes deste ano. É um filme ‘vivo’, que provoca discussões e, principalmente, reflexão. E num mundo cada vez mais descartável, não há como negar o mérito daquele que resiste à futilidade do cotidiano.
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